
REPORTAGEM
_AS PROTAGONISTAS QUE NÃO SÃO DONAS DA SUA PRÓPRIA HISTÓRIA
Mãe, filha ou interesse amoroso.
Aproximadamente, 65% dos filmes analisados pelo Teste de Lisbela retratam mulheres que não são donas de sua própria história. Sempre atreladas aos personagens masculinos, as tramas femininas são usadas de bengala para justificar a motivação do protagonista.
Desde a pré-história, passando pelo teatro grego no século VI A.C até chegar às salas atuais de cinema 7D, a imitação sempre foi uma maneira de comunicação. E a hegemonia patriarcal na sociedade fez-se como reflexo na maneira de contar as histórias femininas.
.png)
O Nascimento de Vênus, Sandro Botticelli (1445-1510)
Imagem: Reprodução
_ AS NARRATIVAS CLÁSSICAS
Com a evolução da criatividade humana, a forma de pensar narrativas foi resumida em 6 principais crônicas clássicas pelo filósofo e crítico russo, Vladimir Propp.
Histórias de Ícaro
São histórias de ascensão e queda, que normalmente retratam um personagem que cresce tanto que deixa de lado suas virtudes. Por isso, merece ser punido para a restauração do que era a ordem natural das coisas.
Histórias de Orfeu
Contam a ida e o retorno do inferno, que costumam ter finais melancólicos sobre a volta para casa com o peso da luta nas costas. Um enredo mais triste e cético.
Histórias de Cinderela
Tratam da ascensão de heróis de origem humilde que atingem a grandeza sem renunciar a suas virtudes. São aqueles que recebem, ao fim da história, a sua recompensa de amor, sucesso ou riqueza.
Viagens Iniciáticas
Histórias de transição para a maturidade ou realizações pessoais de personagens que estão em busca de se encontrar e para isso precisam passar por experiências transformadoras, que mudam sua forma de ver os obstáculos e resolver seus problemas.
Objeto Mágico ou Forja do Herói
São os contos em que o herói perde algo de valor, seja ele um tesouro, um ente querido ou um amor, enquanto esteve fora da realidade e precisa fazer esforços para recuperar ou até mesmo conquistar o que deseja.
Rapaz Conhece Moça
O clássico encontro entre dois personagens que se conhecem e se encantam. Então, ocorre um desencontro, que pode inclusive envolver um terceiro personagem de forma a atrasar o final feliz. Isso incentiva o início de uma busca pelo seu objeto de amor e desejo.
_ A MULHER TROFÉU
Esses enredos constroem grande parte das histórias contadas até hoje e ajudaram a perpetuar estereótipos para os personagens que fazem parte da trama. As mulheres, no entanto, foram colocadas como objetos de conquista em três destes seis cenários.
Apesar dessas fórmulas, algumas histórias fogem desse caminho.
O curta-metragem MC Jess de 2018 foi vencedor no Laboratório Latinoamericano de Curtas-Metragens do Festival Primeiro Plano e premiado com Melhor Personagem no FRAPA de 2018. Ele narra a história de Jess, uma mulher periférica do Rio de Janeiro, que trabalha como ambulante.
Jess anseia em se tornar influente na cena do SLAM - gênero literário de resistência, caracterizado pela declamação de poesias em rodas públicas, inspirados pelo rap, que retratam a vida nas periferias.
Essa é a sua história,
a sua própria motivação
e o seu arco narrativo.
Cena do curta MC Jess, de Carla Villa-Lobos.
Imagem: Reprodução.
_edited.jpg)
A diretora e roteirista do curta, Carla Villa-Lobos, conta que o desenvolvimento da protagonista foi focado nas múltiplas facetas da Jess.
Carla também reflete que protagonismo masculino muitas vezes basta. A história gira em torno do simples fato de ele ser um homem, uma fórmula de roteiro muito comum no mainstream.
A jornalista Natália Bridi, crítica de Cinema e TV, sócia da Luni5 e apresentadora do Entre Migas, explica que geralmente diretores e roteiristas homens não têm tanta sensibilidade para retratar as mulheres em sua trama.



_ O HOMEM-HERÓI
A mestre em Comunicação e Semiótica com ênfase em Cinema pela PUC-SP, Eulália Isabel Coelho, reforça que, dessa maneira, as personagens femininas acabam apagadas pelo protagonismo masculino.
Ouça:
Além disso, seus arcos são reféns do “homem-herói”. Assim, também acabam aprisionadas por atributos específicos ou características atreladas ao preconceito com a imagem da mulher.
Eulália alerta que o cinema brasileiro não é exceção à regra.
A imagem do homem-herói e da mulher hipersexualizada também é vista em outras peças culturais.
Imagens: DC Comics.
A produtora de desenvolvimento na Conspiração Filmes e professora de Mecanismos Federais de Incentivos Fiscais para a Produção Audiovisual, Raquel Leiko reforça que as personagens são colocadas em local de fragilidade, no qual não conseguem ser independentes do homem. No entanto, vale ressaltar, que fora da ficção, as mulheres são responsáveis pelo sustento de quase metade dos lares brasileiros, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).